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A mostrar mensagens de 2017

A noite que era minha

Eu e a noite estamos zangados. Esta é a verdade. Nunca mais saímos juntos até fugirmos os dois do dia para a minha cama, até nos abraçarmos um ao outro à espera que ela acorde de novo e possamos ir dar mais uma volta pela cidade. A noite deixou-me e eu não sei porquê. Sempre lhe fui fiel, sempre a respeitei e estive sempre lá quando ela chamou por mim. A noite e eu éramos um só, brilhávamos ao luar como uma tiara de diamantes. A noite merecia essa tiara e eu era a pessoa certa para lha dar. Eu e a noite estamos de costas voltadas. Por mais que eu a chame, por mais que eu lhe bata à porta, enfrentando o frio e o vento – algo que nunca foi impedimento para nós - , ela não responde, ela não está lá. Ela não brilha mais como dantes, pelo menos para mim. Acho que a noite tem outro. Primeiro não queria pensar que isso fosse possível. Achava que tínhamos sido feitos um para o outro, que era com ela que ia ficar para sempre e que o escuro era uma das nossas cores favoritas, uma da

O amor é como as latas de atum

Que ninguém tenha dúvidas: quando alguém vos perguntar o que é o amor, respondam prontamente: é como uma lata de atum. Deem uns segundos para que a pessoa respire e absorva todo um mundo de possibilidades que acabou de conhecer, antes de passarem às explicações. No amor, tal como no atum, é antes de mais preciso ter lata. Não me venham com bifes de atum, com essas paixões de noites de verão que até podem saber muito bem com uma sangria fresca, mas que desaparecem em poucas horas. Uma lata de atum é feita para durar. Nela cabe um bocadinho do vasto oceano, ali perfeitamente conservado com o passar dos anos. É isso que queremos para o amor. Que também ele mantenha as suas feições com o passar do tempo, que não tenha os chatos prazos de validade e que a frase se fique pelo ‘consumir de preferência’, só assim, simples, sem o ‘antes de’. Podemos usar o atum e o amor de maneiras distintas, umas mais trabalhadas do que outras. Há dias em que nos apetece chegar a casa e arranca

A orquestra do Titanic

Durante muitos anos, quando ainda era um potro, não percebi como raio os músicos do Titanic continuaram a tocar até aos últimos minutos de vida do famoso barco. Lembram-se certamente: o luxuoso navio tinha uma orquestra que tentava animar os passageiros ao ar livre, enquanto estes lutavam por um lugar num bote salva-vidas à medida que a embarcação se afundava nas águas gélidas do oceano Atlântico. Ora, aqui o escriba tinha muita dificuldade em entender a razão que levava aqueles desgraçados a continuar violino na mão, em vez de salvarem a própria pele ou, pelo menos, esboçarem uma reação de pânico absoluto perante a tragédia que se estava a desenhar à sua frente. Hoje sei por que o fizeram. Infelizmente, o que a orquestra do Titanic fez naquela fatídica noite é atualmente replicado um pouco por todo o lado. Por vezes, não nos resta alternativa que não seja continuar o que estamos a fazer, ainda que ao nosso lado tudo e todos se vão desmoronando. Não é fácil, garanto-vos. At

Tempo para amanhã

É naqueles dias em que o calor aperta que mais precisamos de ar fresco. Por mais bonito que esteja o quadro do horizonte com um sol radiante, a verdade é que toda aquela luz nos sufoca como se algo se enrolasse à nossa volta e apertasse. Apertasse o nosso peito, apertasse tanto o nosso peito que teríamos os pulmões colados às costas e nos seria difícil respirar. Afinal, trata-se disso: respirar. Não há dinheiro que pague um ar fresco pela manhã. Não há balão suficiente no mundo onde caiba todo o ar que precisamos. Não há um espaço definido para os braços que abrimos em duas direções opostas. É naqueles dias de calor que temos mais frio. É nesses momentos ofegantes que mais precisamos do abraço de alguém, que mais vivemos a distância, que mais sentimos a ausência. É aí que o tal calor passa a gelo e os raios de sol se transformam em neve pura e dura, vasta e imensa. É nesses dias cerrados que colocamos no ar aquela música que nos leva longe, que nos faz baixar a cabeça e

Os inúteis alarmes dos carros

Estava numa noite destas a dormir descansadinho na minha cama quando, de repente, um som estridente invade todo o quarto e acorda-me de imediato, como uma mãe que entra por ali adentro, acende a luz e grita a plenos pulmões que está na hora de ir para a escola. Ora, no meu caso, a escola já ficou para trás e a minha querida mão está uns bons quilómetros para norte. O barulho era outro, igualmente imenso, mas vinha do lado de fora da janela. Era um alarme de um carro, mas que, naquele momento, parecia quase um festival de death metal ao fundo da minha cama. Teria alguém assaltado um carro na rua? Seria o bandido que me levou o rádio há meses? Ou talvez o senhor que passeia por aqui com um carrinho de compras enquanto grita pelo Benfica? Na verdade, o que é que isto interessava? Alguém me tinha, literalmente, tirado o sono. Vamos lá ver se nos entendemos: estamos em 2017 e ainda há carros com alarme? Reflitam comigo: para que serve um alarme de um carro? “Para afugenta

Ter medo da tristeza

Vem nos livros que temos de ser alegres, que a tristeza é uma coisa má, dos infernos, que devemos fugir dela como quem corre para um abrigo em dia de tempestade. Pois bem, a sugestão do dia: também faz bem apanhar chuva de vez em quando. É isso mesmo. Contrariem tudo o que vos foi dito. Quem teima em não sentir – ou em acreditar que não sente – a tristeza, vive num mundo de ilusão, o que acaba, em si mesmo, por ser bem mais triste. Como seres racionais, temos o direito e, por que não, o dever de experimentar boas e más sensações. Se querem fugir, fujam antes daqueles que nos dizem que vai ficar tudo bem. Mentem-nos, como as enfermeiras mentem aos miúdos ao dizer que a vacina não dói. A tristeza, como as vacinas, dói, é um facto. Mas se não nos deixarmos picar, como saberemos do que nos estamos a curar quando procuramos sorrisos, afetos e laços? A verdade é esta: por vezes é preciso estar triste. Não falo de andar por aí a cair aos bocados, lavado em lágrimas e envolto em

A mesma Lua

Não mintam mais: este mundo não é pequeno, nem nada que se pareça. Este mundo é gigante, maior do que devia ser, tão vasto que é fácil perdermos nele aquilo ou aqueles que queríamos ter sempre connosco. Não há bússola que nos valha na imensidão deste planeta, não há GPS que nos ajude a encurtar os quilómetros que nos apertam o coração. Muitas vezes não podemos dar a mão direita sem largar da esquerda algo que agarrávamos faz tempo. E isso traz-nos escolhas, escolhas difíceis de fazer que nos fazem sentir perdidos no tal mundo que, juravam-nos a pés juntos, era pequeno. Sim, é inevitável perdermos objetos, pessoas e memórias através dos caminhos da vida. Contem com isso, não pensem que podem guardar tudo num bolso e depois recorrer a ele quando têm saudades, como quem puxa de um pacote de bolachas quando a fome aperta no ventre. Posto isto, e depois desta sombra toda, é altura de olharmos para cima. Sim, para cima. É lá que está o elo, é lá que está o nosso telefone, o no

É aqui que se dá a magia

Costumava pensar que o facto de raramente me chatear com alguém resultava da forma como levo a vida, da minha personalidade e da calma e relatividade com que brindo os maus momentos. Bem, isto não deixa de ser verdade. Mas também não é mentira nenhuma que uma das melhores formas de nos conhecermos é através dos outros. É através deles que nos refletimos, que realçamos o que temos e o que somos de bem ou de mal. Ora se eu pauto por toda aquela calma e paz que escrevi na primeira frase, não é difícil adivinhar que só algo muito importante, algo que conta, que mexe comigo, podia interferir com esse mesmo estado. Não é fácil deitar-me abaixo, entristecer-me, suscitar dúvidas onde não as havia. Nada fácil. Mas acontece. Sou humano, tenho todas as características como tal e não posso fugir a elas. Quando tocas ao de leve nos corninhos do caracol, eles não demoram a voltar rapidamente para cima. Agora quando ages com mais agressividade, não voltas a vê-los tão cedo. Mas é aqui

Apanhei-te, 2017

Nem para balanços tive tempo, é uma vergonha. 2016 passou por mim como um intercidades sem paragem que faz tremer a estação. Não me deu espaço para muitas manobras nesta reta final, tal era o trânsito rumo ao futuro. A verdade é que 2017 está aí e ocupou o espaço deixado vago pelo seu antecessor de forma certeira e precisa. De facto só passaram dois dias e portanto não há grandes novidades, mas também não era isso que esperava do novo ano, até porque as melhores novidades são aquelas que surgem sem estarmos à espera. Certo? E em 2016 houve-as, a vários níveis. Por aqui souberam-se algumas, de forma mais ou menos direta. Houve-as no plano pessoal, com descobertas e redescobertas de laços; houve ainda uma mudança de casa cheia de peripécias, as quais – tenho de dizer – acabei por adorar; por fim, alguns encontros habituais passaram a ser reencontros esporádicos, mas cheios da mesma magia de sempre. Profissionalmente também houve novidades. Pontos mais altos, em que dei com