É naqueles dias em que o calor aperta que mais precisamos de
ar fresco. Por mais bonito que esteja o quadro do horizonte com um sol
radiante, a verdade é que toda aquela luz nos sufoca como se algo se enrolasse
à nossa volta e apertasse.
Apertasse o nosso peito, apertasse tanto o nosso peito que
teríamos os pulmões colados às costas e nos seria difícil respirar. Afinal,
trata-se disso: respirar. Não há dinheiro que pague um ar fresco pela
manhã.
Não há balão suficiente no mundo onde caiba todo o ar que precisamos. Não há um
espaço definido para os braços que abrimos em duas direções opostas.
É naqueles dias de calor que temos mais frio. É nesses
momentos ofegantes que mais precisamos do abraço de alguém, que mais vivemos a
distância, que mais sentimos a ausência. É aí que o tal calor passa a gelo e os
raios de sol se transformam em neve pura e dura, vasta e imensa.
É nesses dias cerrados que colocamos no ar aquela música que
nos leva longe, que nos faz baixar a cabeça entre os ombros e encostar o queixo
ao peito. É assim que as memórias ficam mais perto do coração, é assim que ele
bate mais perto dos nossos próprios ouvidos. É ele quem marca o passo da
lembrança, quem tenta devolver a cor a um retrato tão antigo quando querido,
que já quase tínhamos esquecido.
É nestes dias que a água parece nunca saciar a nossa sede. É
nestas horas que ficamos tão secos como a areia do deserto, que o vento nos
molda as dunas do pensamento e que as estrelas da noite se riem lá em cima da
nossa agonia rasteira.
É nestes dias que aprendemos a esperar mais um pouco, que o
calor há de passar. É neste tipo de dias que soletramos as palavras que nos são
mais importantes para ver onde - e se - errámos. É precisamente nestes dias que
procuramos a nossa própria sombra, que nunca nos falha. E é agarrados a ela que
prevemos o tempo para amanhã.
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