Avançar para o conteúdo principal

Os inúteis alarmes dos carros

Estava numa noite destas a dormir descansadinho na minha cama quando, de repente, um som estridente invade todo o quarto e acorda-me de imediato, como uma mãe que entra por ali adentro, acende a luz e grita a plenos pulmões que está na hora de ir para a escola.

Ora, no meu caso, a escola já ficou para trás e a minha querida mão está uns bons quilómetros para norte. O barulho era outro, igualmente imenso, mas vinha do lado de fora da janela. Era um alarme de um carro, mas que, naquele momento, parecia quase um festival de death metal ao fundo da minha cama.

Teria alguém assaltado um carro na rua? Seria o bandido que me levou o rádio há meses? Ou talvez o senhor que passeia por aqui com um carrinho de compras enquanto grita pelo Benfica?

Na verdade, o que é que isto interessava? Alguém me tinha, literalmente, tirado o sono. Vamos lá ver se nos entendemos: estamos em 2017 e ainda há carros com alarme?

Reflitam comigo: para que serve um alarme de um carro? “Para afugentar os ladrões, para chamar a atenção dos vizinhos e da polícia”, dirão alguns. Pois bem, não serve para nada disso. Aquele alarme, que ali fez um magnífico concerto durante uns bons 20 minutos, tocou para uma audiência nula. Ou melhor, não estava ninguém a ouvi-lo… ali. Porque em todas as casas aqui à volta, foram dezenas de ouvidos pelos quais entrou sem ser convidado e nem se dignou a limpar os pés.

Como eu, dezenas de dormidores terão praguejado contra os inúteis alarmes, contra o bandido ou outra coisa qualquer que o fez disparar, e até uns contra os outros, por ninguém ir lá ver o que se passa. Como eu, dezenas de outros moradores esconderam a cabeça debaixo da almofada, enquanto esperavam que o ruído sossegasse, enquanto viam as horas de minuto a minuto e só pensavam no sono que iam ter amanhã.

A coisa lá parou de urrar e o silêncio da noite voltou ao bairro. Minutos depois ainda deu um ar da sua graça ao voltar a tocar, mas calou-se de imediato, como um miúdo que acaba de ser repreendido por jogar à bola no jardim mas que dá mais um chuto nesta por pirraça, antes de desatar a fugir.

E, finalmente, eu, os vizinhos e o próprio larápio pudemos voltar ao que estávamos a fazer.

Fica uma sugestão: se realmente ainda há fabricantes de automóveis que acreditam na utilidade dos alarmes, pensem em mudar o que se ouve quando este dispara. Começar a passar rádio era uma boa alternativa. O bandido partia o vidro e ouvia-se de imediato uma valente kizombada ao estilo RFM. Não só ele ia pensar duas vezes antes de voltar a assaltar outro carro, como era provável que os vizinhos chamassem de imediato a polícia por causa de uma festa barulhenta ali na rua. Era o que eu faria.

Comentários

D disse…
Oh homem.. hoje não estou num bom mood e ler e imaginar kizomba a sair de um carro alegrou a minha vida.
bem hakas

Os mais vistos do momento

Clave de sol

Um círculo vermelho. E tu no meio. É assim, tão simétrica, a nossa existência. Não fosse o rock’n’roll assolar-me os ouvidos, não fossem os velhos e bons Stones ditarem o ritmo, e era nas tuas curvas que leria a pauta. Autêntica clave, mais forte do que o sol, com mais classe do que a lua. Se nas veias o sangue corre sempre em frente, na cabeça o pensamento diverge sobre todos os caminhos a tomar para chegar a ti. Somos o mapa de nós mesmos, já criámos até um caminho novo, que ninguém tinha previsto e que ninguém percorrera antes. Sem indicações, lá seguimos viagem, cientes de que 2+2 só são quatro se quisermos. Liberdade completa, foi também para isto que Abril nasceu. Existimos em todas as línguas, somos vistos em todos os gestos. Não é preciso explicar a ninguém, porque ninguém ia entender. E, no entanto, entendem-nos desde o princípio. Não fomos feitos um para o outro. Não somos o testo da panela, não encaixamos como Legos, nem temos penteados à Playmobil. Mas a forma como enco...

Afinal havia lontra, já dizia Mónica Sintra

Já lá vão mais de 20 anos deste que Mónica Sintra popularizou o tema ‘Afinal havia outra’, mas permitam-me que esta semana traga tão bela canção à memória. Isto a propósito da arrebatadora notícia vinda de Espanha sobre um alegado crocodilo à solta no rio Douro. Depois de alertas, últimas horas, páginas de jornais em papel e online, chegou-nos o tão temido desfecho: o entusiástico e perigoso crocodilo do Nilo que pôs a Península Ibérica em alerta pode, no cenário mais provável, não passar de uma lontra gorducha e fofinha . Senti-me de imediato como Mónica Sintra e partilhei o sofrimento de quem é enganado até ao último segundo, batendo depois de frente com a verdade, numa colisão frontal de onde ninguém pode sair em bom estado. Apeteceu-me cantar a plenos pulmões que ‘afinal havia lontra’ no Douro e não um crocodilo voraz à espera de um turista ou pescador apetitoso, ao bom velho estilo Jurassic Park. A caricata situação serve, pois, a meu ver, para relembrar três coisa...

João Félix e a discípula de Centeno

Os tempos vão bravos. Por esta altura já só queremos fugir a tudo o que seja - mas também que fale de - vírus, essa coisa maldita que chegou e arrasou, como diriam as teenagers de hoje em dia. E é precisamente uma delas que protagoniza a minha singela reflexão de hoje. Para mim, este vídeo foi dos melhores momentos da semana: João Félix , internacional português do Atlético Madrid, estava, como nós, comuns mortais, cerrado entre as paredes de sua casa, nesta força conjunta chamada quarentena. O petiz jogava um videojogo e ao seu lado tinha a sua orquídea, Margarida Corceiro , que também fixava atentamente o ecrã, certamente torcendo pelo seu dente-de-leão, porque isto do amor não pode ser só nos relvados da vida, mas também numa simples partida de FIFA online. Ora, a certa altura, o avançado escolhia a melhor tática para levar de vencido o adversário e deambulava pelas opções do jogo, quando, de súbito, o olhar penetrante da parceira é atacado por um pensamento ...