Avançar para o conteúdo principal

Há sempre algo

Este mundo é tão imenso que a mais minúscula insignificância pode ditar aquilo que somos, o que fazemos, onde ficamos e a quem chegamos. Há sempre algo, e nem sequer é o famoso “mas”. Porque se fosse apenas um “mas” já éramos felizes há muito tempo.

Nunca chego a perceber porquê. Aparece isto e aquilo, e faz desaparecer tudo outra vez. Passa uma mosca, uma simples mosca, e as suas patéticas asas fazem desabar todo o castelo de cartas que tínhamos vindo a construir e o qual pintámos com aquela cor que só existe quando estamos juntos.

Eu juro, abro os olhos o mais que posso, tento antecipar tudo que vem na nossa direção. Mas só tenho duas mãos, pequenas, muito pequenas para proteger algo tão valioso. E, ainda assim, até apanho algumas pedras a tempo, mas outras esmurram, magoam, rasgam. Fazes-me, só por ti, apanhá-las e mandá-las de volta para bem longe, mas sinto-me como se estivesse a tirar água daquelas poças que fazia à beira-mar quando era miúdo. A água vem na mesma, salgada, forte, impiedosa. E derruba tão facilmente as muralhas que te protegem aqui dentro…

Admito que já pensei inúmeras vezes em deixar de fazer castelos, mas continuo a acreditar que um dia a maré vai baixar, que as ondas vão acalmar, apesar de tudo, ou quase tudo, me fazer prever o contrário. Já pensei deixar de lado os mundos encantados e mandar os príncipes e princesas de volta aos contos dos livros, mas quando vou arrumar as peças do puzzle na caixa reparo novamente como encaixam perfeitamente e imagino a paisagem final.

Há sempre um carro que passa no momento errado, um telefone que toca, alguém que chama. Nunca parece ser o momento certo, nunca há tempo para o ser. E ainda assim caio sempre na armadilha que é esse sorriso, na teia que é esse cabelo, no veneno que é essa voz, para repetir tudo mais uma e outra vez.


Ainda que a corrente seja fortíssima e que a margem esteja longe, não largo a pedra no meio do rio. Mas confesso que já não tenho a força inicial. Custa-me agora manter a cabeça à tona da água, é-me cada vez mais difícil fixar os meus olhos nos teus. Estou cansado. Muito mesmo. E dou por mim a pensar que está cada vez mais perto o dia em que me vou largar. Em que a água me vai levar para longe, para bem mais longe, de ti. Em que o “somos” passe a ser “fomos”.

Comentários

D disse…
mas que belo texto, ainda bem que fizeste aqui um "remember" :) ! os parágrafos iniciais deixaram-me deliciada.
com pena minha, acabou em algo melancólico e triste.
mas a vida é assim.
as vezes - e muitas vezes - não tem filtros de cores mais animadas ou gráficos surpreendentes.
importa foi o que se fez com o sentimento que floriu ou murchou aí!

:)

Os mais vistos do momento

Clave de sol

Um círculo vermelho. E tu no meio. É assim, tão simétrica, a nossa existência. Não fosse o rock’n’roll assolar-me os ouvidos, não fossem os velhos e bons Stones ditarem o ritmo, e era nas tuas curvas que leria a pauta. Autêntica clave, mais forte do que o sol, com mais classe do que a lua. Se nas veias o sangue corre sempre em frente, na cabeça o pensamento diverge sobre todos os caminhos a tomar para chegar a ti. Somos o mapa de nós mesmos, já criámos até um caminho novo, que ninguém tinha previsto e que ninguém percorrera antes. Sem indicações, lá seguimos viagem, cientes de que 2+2 só são quatro se quisermos. Liberdade completa, foi também para isto que Abril nasceu. Existimos em todas as línguas, somos vistos em todos os gestos. Não é preciso explicar a ninguém, porque ninguém ia entender. E, no entanto, entendem-nos desde o princípio. Não fomos feitos um para o outro. Não somos o testo da panela, não encaixamos como Legos, nem temos penteados à Playmobil. Mas a forma como enco...

Afinal havia lontra, já dizia Mónica Sintra

Já lá vão mais de 20 anos deste que Mónica Sintra popularizou o tema ‘Afinal havia outra’, mas permitam-me que esta semana traga tão bela canção à memória. Isto a propósito da arrebatadora notícia vinda de Espanha sobre um alegado crocodilo à solta no rio Douro. Depois de alertas, últimas horas, páginas de jornais em papel e online, chegou-nos o tão temido desfecho: o entusiástico e perigoso crocodilo do Nilo que pôs a Península Ibérica em alerta pode, no cenário mais provável, não passar de uma lontra gorducha e fofinha . Senti-me de imediato como Mónica Sintra e partilhei o sofrimento de quem é enganado até ao último segundo, batendo depois de frente com a verdade, numa colisão frontal de onde ninguém pode sair em bom estado. Apeteceu-me cantar a plenos pulmões que ‘afinal havia lontra’ no Douro e não um crocodilo voraz à espera de um turista ou pescador apetitoso, ao bom velho estilo Jurassic Park. A caricata situação serve, pois, a meu ver, para relembrar três coisa...

João Félix e a discípula de Centeno

Os tempos vão bravos. Por esta altura já só queremos fugir a tudo o que seja - mas também que fale de - vírus, essa coisa maldita que chegou e arrasou, como diriam as teenagers de hoje em dia. E é precisamente uma delas que protagoniza a minha singela reflexão de hoje. Para mim, este vídeo foi dos melhores momentos da semana: João Félix , internacional português do Atlético Madrid, estava, como nós, comuns mortais, cerrado entre as paredes de sua casa, nesta força conjunta chamada quarentena. O petiz jogava um videojogo e ao seu lado tinha a sua orquídea, Margarida Corceiro , que também fixava atentamente o ecrã, certamente torcendo pelo seu dente-de-leão, porque isto do amor não pode ser só nos relvados da vida, mas também numa simples partida de FIFA online. Ora, a certa altura, o avançado escolhia a melhor tática para levar de vencido o adversário e deambulava pelas opções do jogo, quando, de súbito, o olhar penetrante da parceira é atacado por um pensamento ...