É costume torcer o nariz a quem não diz as palavras mágicas
quando pede alguma coisa. Mas o que torcemos nós quando alguém nos pede, por
favor, para irmos embora?
É difícil imaginar algo mais tocante. Um pedido amavelmente
disfarçado de ordem que vem sempre em má altura. É certo que temos de tirar o
chapéu a quem tem a dignidade de ser bem educado e pedir por favor para nos ver
pelas costas. Admito que seja um ato de benevolência e, simultaneamente, de
coragem tentar ser delicado com quem nos incomoda naquele momento. E é um facto
que as pessoas preferem levar um pontapé no rabo com umas pantufas em vez de
umas botas de biqueira de aço.
Ainda assim, cheira a paradoxo por todos os lados. E, pior
do que isso, é o que fazem essas palavras. A pele que perfuram, os limites que
ultrapassam. Ouvir um pedido desses, ainda para mais acompanhado de um “por
favor”, é como ser atingido por uma daquelas “bombas sujas” usadas no
terrorismo. É algo diminuto que nos atinge com uma precisão milimétrica mas que, momentos depois, se expande dentro de nós, cravando pregos em tudo o que é
nosso: tecidos e órgãos, certezas e convicções, desejos e paixões.
Baralha-nos os sentidos, abala-nos a razão e leva-nos ao
primeiro de muitos “porquê?”. Nunca um simples pedido nos esmagara desta
maneira, de dentro para fora, fazendo saltar lágrimas em forma de pontos de
interrogação. E, numa segunda fase, surge-nos a ideia de aceder ao pedido.
Afinal, até nos pediram com jeitinho.
Somos bem capazes de apanhar o que resta de nós e seguir
caminho, mesmo não percebendo o porquê. Afastamo-nos sem destino certo, apenas
seguindo o caminho contrário ao apontado pelas dúvidas. A obrigação – assim pensamos
– de cumprir o favor a nós requisitado conduz-nos pelo escuro em busca de uma
ponta de luz.
E pensamos: por favor aparece.
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