Quando nos sentámos os dois naquele banco de jardim e deixámos os outros continuar caminho, tenho de admitir que não te estava a prestar atenção.
Choravas e dizias o que te corria mal na vida, enquanto me davas a mão,
procurando talvez algum conforto. Mas não era isso que eu estava a ouvir. A
água que te escorria pelas duas faces batia-se arduamente para ultrapassar o
relevo dos teus lábios. Ainda assim, eu não fixava sequer nenhuma dessas lágrimas.
O que via? Bem… Sei apenas que os meus olhos penetravam
intensamente nos teus e, de repente, a noite quase dava lugar ao dia.
Continuavas com as tuas histórias, as mil e uma aventuras do teu coração
destroçado, varrido – nas tuas palavras – por um furacão que deixou a mais
profunda das mossas. Acho que tentavas partilhar a agonia com alguém como eu,
que mal conhecias, e que não tinha dados suficientes para te julgar. Mas a
verdade é que eu não equacionei, por um segundo que fosse, ajudar-te nessa
escalada rumo à serenidade.
A minha mente vagueava por lugares diferentes, como se estivesse separada do corpo. Os meus outros quatro sentidos esbarravam no monopólio do teu olhar, um oceano profundo onde me afogava
a cada tic-tac do relógio. O tato, o paladar, o olfato e a audição de nada me serviam, e apenas eram
preenchidos pela construção que eu fazia de nós. Parecias a mais pura droga a correr em mim e,
no entanto, estavas apenas a desabafar.
Dançámos. As luzes frenéticas iluminavam-te o rosto, agora
diferente. Estavas leve como uma pluma e parecias agradecer-me por isso, quando
eu nem sequer te dei atenção. Mostrámos a todos como nos divertíamos e
todos se divertiram connosco. Numa única música ficou gravado, para sempre, o
sonho futuro de nos levarmos um ao outro, numa história que, apesar de ter tudo
para ser poética, ainda hoje é contada em prosa. Esta é a história do dia em
que te traí contigo.
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