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O amor é como as latas de atum

Que ninguém tenha dúvidas: quando alguém vos perguntar o que é o amor, respondam prontamente: é como uma lata de atum. Deem uns segundos para que a pessoa respire e absorva todo um mundo de possibilidades que acabou de conhecer, antes de passarem às explicações.

No amor, tal como no atum, é antes de mais preciso ter lata. Não me venham com bifes de atum, com essas paixões de noites de verão que até podem saber muito bem com uma sangria fresca, mas que desaparecem em poucas horas.

Uma lata de atum é feita para durar. Nela cabe um bocadinho do vasto oceano, ali perfeitamente
conservado com o passar dos anos. É isso que queremos para o amor. Que também ele mantenha as suas feições com o passar do tempo, que não tenha os chatos prazos de validade e que a frase se fique pelo ‘consumir de preferência’, só assim, simples, sem o ‘antes de’.

Podemos usar o atum e o amor de maneiras distintas, umas mais trabalhadas do que outras. Há dias em que nos apetece chegar a casa e arrancar um beijo à garfada diretamente da lata, sem tempo para acompanhamentos, porque o amor tem um lado selvagem no aspeto mais fascinante do termo.

Outros dias há em que estamos mais relaxados e queremos um miminho. É nesses dias que acarinhamos a lata de atum ao retirar-lhe suavemente a tampa e florir um prato especial com ele, numa harmonia que só o amor pode explicar e que só quem o tem consegue perceber.

Mas cuidado! Na ânsia de poupar e nos pouparmos, somos por vezes atraídos pela lata em promoção, pelo amor barato, pela promessa de uma abertura fácil que nos sacie a fome. E depois vêm as surpresas negativas e o que supostamente era amor, não passava afinal de uma atração manhosa; o que era uma posta, veio a revelar-se um atum moído, ensosso, cuja única finalidade é ser usado em saladas. Isto para quem gosta de se meter nelas.

Comentários

D disse…
Está tão fixe este texto pá!! :))))

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