Avançar para o conteúdo principal

Perdidos


A pergunta faz todo o sentido: como pode alguém estar perdido quando não tem para onde ir? Este texto é sobre os perdidos desta vida, aqueles que se só se encontram a si mesmos nas sombras, que vivem escondidos do sol que alguém lhes tapou. Porque a culpa de quem se perde nem sempre é sua.

Aprendemos desde cedo que temos um caminho pela frente nesta vida. E que é dos desvios que nos devemos precisamente desviar. Mas há quem não siga a linha, há quem se deixe guiar pelos mais selvagens instintos e se perca na azáfama de uma sociedade que cada vez tem menos tempo para quem não se encontra. O ‘só faz falta quem cá está’ nunca foi tão palavra de ordem como agora e quem ficou pelo caminho será um dia pó que quem vem atrás vai pisar.

Dois homens podem ter o mesmo mapa e irem parar a destinos diferentes. Um deles pode ter pouco dinheiro e conseguir guiar-se com mais ou menos dificuldade; o outro pode nadar em notas que não são elas que vão fazer uma ponte sobre o abismo.

As bússolas do destino parecem divertir-se a jogar à vez, num sádico lançar de dados para ver o que as marionetas vão fazer a seguir. Por vezes parece tudo uma questão de sorte. Por vezes parece que não temos controlo sobre nada, que nada do que façamos interfere no rumo que nos traçaram. E é nessa altura que nos sentimos – e que teremos o direito de nos sentirmos – completamente perdidos.

É nessa altura que há quem procure caminhos alternativos. Atalhos, se lhe quisermos chamar assim. Mas os atalhos costumam ser de sentido único, pelo que quem se enganar, dificilmente consegue voltar atrás. E os dois caminhos vão-se afastando, até deixarmos de ver o outro lado, até deixarmos de compreender para onde deveríamos ter ido. Até deixarmos de ter para onde ir, deixarmos de ter um destino, um foco, uma meta. E passamos a vaguear, até sabermos de cor as rugas da parede em que batemos constantemente no labirinto em que nos transformámos.


Comentários

Os mais vistos do momento

Memória curta ou estupidez?

Ok. Eu não era nascido. Ok. Eu só sei o que me dizem ou o que leio. Mas por favor. Quando me dizem na cara que a ditadura devia voltar, que o homem governou bem o país e pior: que naquele tempo se vivia melhor que hoje, não merecem resposta. Sinceramente não percebo…

momento de insanidade

Vamos de férias para o México com o dinheiro do último empréstimo que contraímos. Uma semaninha com a família na praia de barriga para o ar. Mas as saudades começam a apertar. Será que o Quique fica? Vou ou não votar no Vital Moreira? O que tem a Manuela Moura Guedes a dizer disto? No aeroporto, há que trazer uns souvenirs de última hora, e como toda a gente sabe, há muito que os sombreros deixaram de ser a imagem de marca do país. Foram substituídos pelas máscaras de combate à gripe dos porcos, ou lá o que é! Olha, perdeu-se o voo. Ainda bem, talvez este também vá fazer companhia ao carapau do atlântico. Da maneira que as coisas têm andado ultimamente, nunca se sabe! Ah, Lisboa! Sim, Portela, que para Alcochete ainda falta um bocado. Cansado da viagem, aquele filme também era uma seca e a comida… prefiro não falar que ainda vem tudo cá para fora! O que interessa é que estamos em casa, no nosso cantinho. Por falar em cantinho, deixa cá ir buscar o ouro escondido no sótão, q

Beira-Morte

O sangue é tão quente que quase derrete o que resta da linha contínua. É triste. Escorre lentamente para a terra. Tão, tão lentamente como o respirar que se ouve ao fundo. É tão lento. Parece calmo. Como o sangue que escorre de lá para a terra. Ninguém passa, ninguém vê, ninguém sabe, ninguém ouve. Pisca a apaga de vez a última luz. Está escuro. Como o sangue dele que escorre para a terra. Não consegue falar. Uma única palavra que seja. Emite tanto som como o sangue que lhe sai de todo o corpo e escorre para a terra. Cheira a qualquer coisa. A gasolina jorra aos soluços do depósito, como o sangue que por baixo do luar se vai acumulando na terra. Misturam-se. Combustíveis de homem e máquina, incompatíveis como homem e máquina, frágeis como homem e máquina, que abandonam agora homem e máquina às suas sortes, aos seus azares, ao seus desnortes, às suas mortes. Há cortes na árvore cá atrás. A seiva escorre no escuro, lentamente, qual sangue gasolina, até à terra que a há de com