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Trio de choques

Todos os dias batemos nalguma coisa. Choques há muitos, para todos os gostos. Mas há uns em que batemos com mais força, em que nenhum airbag deste mundo é suficiente para nos amparar. Há embates cuja onda de choque demora milésimos de segundo a invadir-te; outros há em que as consequências se arrastam durante anos e te limitam para o resto da vida.

Em 27 anos tive três choques. Na verdade tive mais, mas estes são três belos exemplos, da primeira à última letra. Três situações que podiam muito bem não ter acontecido, que preferia que nunca tivessem existido e que pagaria bem para não estar a descrevê-las nestas linhas. Mas, na verdade, aconteceram.

As três foram completamente diferentes e afetaram-me de modos também eles distintos. Com uma situação já lido bem hoje em dia; com outra sei que vou voltar a lidar um dia destes; e com a terceira não mais terei de lidar por opção própria.

Falo, num dos casos, de uma patetice. Por mais estranho que pareça, um dos maiores choques da minha vida esteve relacionado com algo que está entre as coisas menos importantes dela. E isso torna-se hoje muito claro. Por – acreditam alguns – obra do destino, fui obrigado a repetir a experiência e fiquei surpreendido como não teve nada a ver com a primeira vez. Não foi algo propriamente positivo, mas aprendi a lição: dar a cada aspeto da vida a devida importância. O acessório e os passatempos devem ser algo que nos divirta e que nos ocupe a mente de maneira saudável.

A segunda situação foi mais grave. É sempre assim quando envolve mais alguém para além de nós. Devia ser sempre assim quando contribuímos para as lágrimas alheias. Não fui feito para isso e percebi-o de forma cruel. Já fiz rir muita gente à minha volta e é nessa praia que me sinto bem. É por aí que gosto de sentir a responsabilidade e não em lados mais sombrios. Mas numa ligação existe sempre um risco. A determinada altura, e não interessa quem puxou demais, a corda vai partir. Cortá-la antes disso é uma solução, mas com danos colaterais. A confiar nos antigos, o tempo vai curando tudo. O tempo e algo mais.

O último caso não o seria para muita gente. Sei bem que nada tem a mesma duração: certo é que tudo acaba… por acabar. Também sei que algumas das chamadas frases feitas têm mesmo um fundo de verdade. Mas sei, acima de tudo, que não quero voltar a passar por algo que, ainda para mais, posso evitar. É claro que tenho saudades. Só quem tem pode entender o carinho e a cumplicidade. Mas, por outro lado, apenas quem vê fechar os olhos de quem não mente percebe o egoísmo de não querer ver mais nenhuns. E tem todo o direito a isso.

Sei que vão acontecer mais choques, provavelmente até piores. Mas interessa é viver para contar a experiência. Nem que seja anos mais tarde, como foi o caso.

Comentários

D disse…
Oh homem 2 textos separados pordias??
tás doente??
tás barricado em casa??
qui passa? ahaha ;)

tou a brincar.
muito expositivo o texto sem te deixares revelar!
alegria e sofrimento moldam as nossas experiencias. mas mais que tudo é a forma como lidas e as integras que mostram quem realmente és.
que nao sejamos feitos mais de medos, ruminações e falta de companheirismo do que de tudo de bom que nos foi entregue assim que demos os primeiros berros quando entrámos no mundo
:))

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