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Os três dias dos namorados

Ah o dia dos namorados… Muitos são os que dizem que não faz sentido nenhum. Tolos. Não só faz todo o sentido como devia ser a triplicar. E, ainda por cima, este ano encaixava na perfeição: o fim-de-semana dos namorados.

Assim mesmo, de sábado a segunda, como quem estabelece uma programação para a nova coqueluche da rentrée televisiva. O dia dos namorados não devia ser um, mas sim três. Um pouco como a festa do Avante, mas com corações em vez de foices e martelos. Três dias como o Carnaval, revestidos de folia, expectativa e máscaras – enfim, tudo a que o amor tem direito.

Tudo começava no sábado. Afinal, não há dia mais festivo do que este. Dormimos a manhã toda e não trabalhamos no domingo. Não sei se há estudos que o provem, mas tenho cá para mim que as
maiores surpresas do Sr. Cupido aparecem ao sábado. Claro que podemos planear tudo durante a semana, imaginar o que vamos – ou temos de – dizer àquela miúda para ela cair na nossa conversa. Podemos comprar o cachecol da moda, fazer a barba como mandam as regras e experimentar aquele novo perfume. Estudamos o mapa vezes sem conta porque é fácil uma pessoa perder-se aos sábados.

Saímos de casa com o caminho traçado, mas por vezes abusamos no traçado e já nem damos com o caminho. Lembram-se da parte das surpresas? É aqui. Quando tudo o que planeias sai ao lado, quando alguém para quem nunca olhaste com olhos de ver não sai agora da tua frente, da tua mente. E por fim, tão inesperado como quente, o primeiro beijo pinta o sábado de vermelho. A paixão torna-se preâmbulo do domingo e domina a véspera do dia dos namorados.

O domingo é o tal dia 14 de fevereiro. Dia santo, traz o Valentim agarrado ao simbolismo dos apaixonados, dos perdidos que se encontraram um ao outro no dia anterior. Domingo é o dia em que o sol mais brilha, em que as famílias se reúnem à mesa. Apetece-nos, de repente, ver uma comédia romântica enrolados no sofá, partilhando uma manta tal como partilhamos a nossa vida com aquela pessoa. Neste momento há só um comando para os dois – mesmo a calhar, pois gostamos de ver o mesmo, temos os mesmos interesses, sofremos com os mesmos dramas e curamos as feridas com energia mútua. Namoramos, pois.

Mas se o fim das coisas chega sem avisar, o mesmo não se pode dizer da segunda-feira. Sabemos perfeitamente que o relógio não para, mas tentamos não pensar nisso. E ainda assim ela chega, impiedosa. Ainda no outro dia era sábado, quando nos conhecemos e começámos tudo; ainda ontem foi domingo e amámo-nos religiosamente; mas hoje é segunda-feira. É o último dia dos três. É o dia em que tu partes, ou parto eu, ou partimos dois o que tínhamos como se fôssemos um. Tudo parte pela parte mais fraca, e a nossa parte fraca é quem mais ordena à segunda-feira. Seja porque o regresso ao trabalho nos rouba todas as horas do relógio ou porque já temos a cabeça no próximo sábado.

E ainda dizem que o dia dos namorados é um dia igual aos outros. Não é, meus amigos. É bem mais definido do que o sábado e mil vezes mais sorridente do que a segunda. E quem sobreviver aos três, esses sim, estão de braço dado com o amor.

Comentários

D disse…
analogia castiça o fim de semana dos namorados com colocação na contextualização factual do ano...
...e o inicio/meio/fim de uma história...

resta-nos saber quando é que o fim de semana terá apenas dois dias!
:)

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