Mudamos tudo, já reparaste? Mudamos isto, mudamos aquilo.
Mudamos tudo, como te disse. Já viste como mudamos todos os dias? Mudamos a
maneira de falar, mudamos a forma de ver as coisas, mudamos o aspeto.
Se a alma dói ao mudar, mudamos a noção de dor. Mudamos o
sorriso, mudamos o aperto de mão, mudamos o abraço. Sentiste? Mudamos os móveis
de sítio para mudarmos o nosso pequeno mundo, mudamos de canal para ver o que
queremos e não o que de facto existe. Mudamos o fundo do telemóvel porque aquele
já não faz sentido, mudamos precisamente o sentido do que antes era inalterável
mas que agora não resistimos a mudar.
Mudamos de carro para os vizinhos verem, mudamos de casa
porque estamos fartos deles, mudamos de copo porque este está rachado. E quando
as coisas estão rachadas mudam-se, não é? Repara como mudamos o tom a cada dia,
como mudamos as palavras que dirigimos um ao outro.
Mudamos de direção porque o vento sopra para ali, mudamos de
médico porque este diz-nos que a dor faz parte, mudamos de roupa porque nos
sentimos pesados. Mudamos a alimentação, mudamos os hábitos, mudamos as
crenças. Mudamos a toalha da mesa porque esta nódoa já não sai. Mudamos de
linha porque esta não vai para onde queremos, mudamos de tarifário porque quem
queríamos não nos liga, mudamos de net porque temos de ser sempre mais rápidos.
E por isso mudamos de 4.ª para meter a 5.ª. Mudamos de lugar para ficarmos mais
perto, mudamos de ginásio para ficarmos mais bonitos, mudamos de livro, que já
chega de histórias da treta. Mudamos o discurso. Mudamos os gestos, o
esbracejar, mudamos a forma de correr. Mudamos mesmo a maneira de respirar.
Mudamos os horários porque queremos mais tempo, mudamos a
cerveja para o congelador porque queremos mais fresco, mudamos de ares porque estamos
fartos disto tudo. Olha, até as promessas mudamos. Mudamos os planos, mudamos
as viagens, mudamos o mapa ao nosso critério. Mudamos os objetivos, as metas,
os prémios. Mudamos as regras e as leis, mudando completamente o nosso papel.
Mudamos quem somos, tentamos mudar quem fomos, estamos a mudar quem um dia
vamos ser.
Já te disse no início: mudamos tudo. Ou quase. Há uma coisa
que nunca mudamos. Na verdade, logo a única que queria mudar.
E tudo mudava.
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