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a gosto

De todas as coisas boas que o verão tem, a melhor talvez seja o tempo. E não se fala aqui de sol, mas de horas, minutos e segundos. As pessoas parecem ter mais tempo para aquilo que gostam e, quem gosta delas, agradece.

Para quem trabalha, as férias surgem como um oásis em pleno deserto. Muitas vezes nem é para descansar da atividade diária nem das pessoas com quem lidamos no trabalho. O mais importante, pelo menos para mim, é poder regressar por uma semana que seja aos tempos em que escolhíamos com quem passar as 24 horas do dia.

É por isso que estes são os dias mais rápidos do ano, todos os anos. Passam literalmente a correr, ainda que deixemos os relógios e telemóveis de lado e nos foquemos apenas nas risadas à beira-mar. Parece sempre que chegamos ao último dia sem que tenhamos desfeito completamente a mala que trouxemos.

Na verdade, pouco me interessa se os poucos dias de férias são passados numa praia do sul ou numa montanha do norte. Sei que toda a gente diz que a companhia é o mais importante mas, mais do que apenas dizer, é senti-lo nos meses que antecedem este hiato na vida monótona. O combinar das coisas, quem vai, quem não vai, quem gostávamos que fosse. O destino, a casa, o que levar, em que dia voltamos. A prova em como tudo isto é secundário é que, definida a companhia durante essa semana, tudo o resto fica para segundo plano e só é agendado nas vésperas.

O que realmente interessa é ter lá ao lado quem construa uma mesa de finos, quem partilhe a vontade de não mexer uma palha, quem torça o nariz na hora de ir às compras, quem demore horas no banho, quem não tenha sono nos momentos certos, quem não saiba enterrar o chapéu de sol na areia, quem faça caretas quando a água está gelada.

E no fim resta apenas a certeza de que, mais uma vez, foram as pessoas certas. Só assim poderiam ser o meu mundo completo neste bocadinho de agosto.

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