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Olhos de ver

Assim é difícil. Sei que as aparências iludem, faz parte daqueles chavões que aprendemos à força nesta vida. Mas porra, não deviam ser os nossos olhos os maiores confidentes do mundo?

Só queria a verdade. Ver as coisas como elas realmente são. Até as redes sociais, com fotografias ao pontapé de tudo o que mexe, começam finalmente a render-se à realidade onde o “sem filtro” traz de volta a beleza perdida.

A verdade é que te vejo de forma distorcida. Sei disso, mas não consigo evitá-lo. Tenho uma imagem tua mais turva do que um bebé que mal vê um metro à sua frente. Sei que não és esse paraíso todo, esse mundo ideal onde sinto que podia ficar centenas de anos. Sei que é mentira. Que os meus olhos me mentem com toda a lata. Mas estou tão apaixonado por eles – ou pelo que eles me mostram de ti – que caio repetidamente no erro de voltar, como quem é traído uma e outra vez mas perdoa sempre.

O amor é cego - é uma verdade. Mas tanto é fogo que arde sem se ver, como vemos algo ardente onde não há nem nunca houve qualquer chama. E um dia isso queima-nos com violência. É que, nesse tal dia, os olhos vão deixar de brincar connosco e falar-nos a sério. E é ai que vou perceber que não és todo esse azul celeste onde nunca há nuvens. Vou perceber que a meteorologia errou contigo e a temperatura vai descer. Vai haver gelo.

Até lá vou vendo episódios desta nossa série. Cada um dá-me mais vontade de ver o próximo, embora saiba que o “season finale” se aproxima a uma velocidade estonteante e reconheça que estás apenas a fazer um papel desenhado por mim. É isso que vejo em ti: uma representação. Mas há momentos em que confundo tudo com a vida real, em que não sei bem de que lado estás, de que lado estamos do ecrã. Admito que há horas em que ponho tudo em causa, em que troco as nossas personagens e já nem sei bem quem é o ator aqui.

E a culpa é deles, dos olhos. É triste que, precisamente aquilo que nos mostra o exterior, nos prive dele com tamanha facilidade. Sou refém do que penso que vejo em ti e, como em todas as histórias de reféns, só uma moeda de troca pode salvar-me. A moeda de troca aqui é essa imagem de ti, da qual eu não abdico. Mesmo que isso me custe os verdadeiros contornos da vida.

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