Não sei se algum dia se cruzaram. Não faço ideia se Jorge
Jesus vota no PS nem me lembro se José Sócrates é do Benfica, mas nestes
últimos tempos estiveram ambos ligados pela coerência, algo admirável nas
pessoas.
Comecemos por Évora. O advogado de Sócrates – o bonacheirão,
não o outro mal disposto – sempre disse que nunca iria aceitar uma eventual
prisão domiciliária porque seria como assinar metade da culpa. Concordar com o
facto de estar preso, ainda que em casa, pode virar o rumo das coisas. A
Justiça estendeu a mão a Sócrates num dia em que estavam 30 e muitos graus no
Alentejo. Tinha tudo para acabar bem: o ex-primeiro ministro regressava a casa,
ao ar condicionado, via a família, podia fazer o seu jogging no quintal e ainda
ganhava um valioso exemplar de bijuteria abraçado ao tornozelo. Mas Sócrates
não quis. Entendeu que todas as benesses do seu lar, do conforto dos seus, não
superavam o que teria a ganhar com a sua nega.
Já antes Jorge Jesus tinha feito o mesmo. Podia ter renovado
com o Benfica, numa parceria que já havia dado frutos e onde seria tratado –
pelo menos pelos adeptos – como um verdadeiro filho de Deus. Ora Jesus, tal
como na Galileia, deixou toda a gente de boca aberta quando protagonizou o
milagre deste final de temporada. Se Moisés atravessou o Mar Vermelho, Jesus
fugiu dele atravessando a mais complicada estrada do país em hora de ponta e
aterrou em Alvalade. Dizem, coerente com o seu velho desejo de treinar o
Sporting.
Sócrates e Jesus, dupla fenomenal, estiveram já no goto de
milhões, fizeram esvoaçar bandeiras, cantaram vitórias. E também nas horas de
aperto parecem seguir lado a lado como os dois carris de uma linha, senão
vejamos: Portugal abanou quando o autor do mítico “porreiro pá”, acabado de regressar
de Paris, foi carinhosamente convidado pela PJ para fazer uma visita às
instalações do Campus de Justiça que o próprio havia inaugurado. Foi também com
estrondo que os jornais noticiaram que o bicampeão JJ estava a caminho do
Sporting, como quem sai do rodízio e entra na loja vegan ao lado cheio de fome.
Ambos os casos foram notícia lá fora: um ex-primeiro
ministro que pode afinal ser um bandido de primeira, e um treinador que salta
num instante para o outro lado da segunda… circular. E, como em todos os
relâmpagos o som acaba por chegar, Sócrates foi arrasado ao som de “esse gajo
nunca me enganou” e Jesus passou do “tá engrassade” das redes sociais ao Judas
traidor e blasfemo.
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