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O primeiro

Vou ser o mais direto possível: dá-me um beijo. É simples, um beijo. Não tenho mais nada para te pedir. Não estou a dizer que isto vai mudar alguma coisa, mas vês alguma razão para não o fazeres?

Sei que o encostar de lábios não acaba com a fome, não impede a guerra nem faz chover dinheiro. Mas sei também – tenho a certeza – que os teus encaixam perfeitamente nos meus. Sei ainda que não estás longe de pensar o mesmo e sei, principalmente, e por fim, que precisamos disto.

Precisamos de um primeiro beijo, sabes? Pode até ser o primeiro e o último, mas todas as obras começam pela primeira pedra. E para haver um último, tem de haver sempre um primeiro! Não digo que seja o ponto de partida para algo, é antes uma necessidade que temos de suprir.

O primeiro beijo é como escrever numa folha em branco. Pouco importa o que vai sair dali, interessa é tirar o vazio daquela folha e dar-lhe vida. Fazê-la ser algo, criar matéria neste mundo. O primeiro beijo fica para sempre na memória: para uns gravado, para outros cravado. Tem algo de infantil na forma como nos encolhemos na hora H e uma face bem adulta na mensagem poderosa que pode transmitir. Um beijo acalma, serena, conforta. Um beijo pica, arde, arranha. Um beijo atrai, puxa, abraça. Um beijo derruba, fere, mata.

Então anda, vamos jogar nesta roda da sorte. Pode ser em casa ou na rua, sozinhos ou num estádio. Não interessa a hora, não vamos chegar atrasados ao trabalho por causa de um beijo. Não vamos queimar mais tempo a imaginar como seria. Não queremos envelhecer ao sol a pensar no momento, no fechar de olhos, na inclinação do corpo.

A sério, chega! Cheguemo-nos um ao outro e façamos aquilo que falta. Porque falta. Se depois algum de nós se sentir perdido, então que recue, mas com o sentimento de missão cumprida. Afinal, foi apenas um beijo. Ainda que tenha sido o primeiro.

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