Avançar para o conteúdo principal

Dia do Pai Isidro

Ontem cheguei a casa (já era hoje, vá) e fui consultar esse magnífico mundo da internet para me encher da mais vasta e prodigiosa cultura. No meio de inúmeras coisas extremamente úteis que encontrei e encaixei no meu conhecimento pessoal, fiquei a saber que Júlio Isidro foi chamado de urgência para tomar as rédeas do programa matinal da RTP. "Como um filho chama o pai", pensei eu. Precisamente hoje, dia de todos os pais.

Júlio Isidro é essa figura paternal que as gerações anteriores à minha sentem como alguém que lhes vai trazer novos convidados, que lhes vai animar a vida, que lhes vai tornar qualquer passeio mais... alegre. Desde que me lembro de me lembrar de coisas, já Júlio Isidro era considerado um dinossauro do mundo televisivo nacional.

Pois bem, se os dinossauros precisaram de milhões de anos para dominar a terra, Júlio Isidro precisou apenas de uma câmara para se estender diretamente para casa dos portugueses. Entrou por ali dentro e sentou-se no sofá, qual bonacheirão, sempre bem disposto e com aquela voz que partilha o nível dos fatos que veste. E, ao contrário dos lagartos enormes que comiam tudo o que aparecesse neste planeta há 65 milhões de anos, Júlio Isidro sobreviveu aos meteoritos em forma de televisões privadas, que aterraram e mudaram tudo à sua volta. Júlio resistiu ao asteróide da internet e do Youtube, soube manter-se à tona dos reality shows ao estilo de estrelas decadentes que deixaram um rasto de poeira na nossa íris.

A prova disto tudo foi ontem: com um dos apresentadores de férias e outro com problemas de saúdade, a RTP não teve dúvidas em procurar na lista telefónica o nome do pai Isidro. E ele lá veio, como sempre, fazer televisão. É o que sabe fazer e - dizem - faz bem. Trouxe tupperwares bem atoladinhos de magia televisiva e palavras de conforto para os novatos, leia-se, qualquer pessoa que tenha menos de 40 ou 50 anos de carreira. E, no final do programa da manhã, tenho a certeza de que, como todos os pais de bom coração, escondeu uma nota de 20 euros na carteira rasgada dos filhos. Ele sabe bem que não precisam, mas todos os pais sabem, não é?

Como Eusébio na Luz ou Ronaldo na Madeira, Júlio Isidro merecia uma estátua à frente da RTP. Onde pudesse, em vida, ser aclamado, não só por todos os que chamou ao mundo da caixinha mágica, mas também pelas gerações vindouras. Eu, pelo menos, passava lá todos os anos, precisamente no dia do pai.

Comentários

Os mais vistos do momento

Clave de sol

Um círculo vermelho. E tu no meio. É assim, tão simétrica, a nossa existência. Não fosse o rock’n’roll assolar-me os ouvidos, não fossem os velhos e bons Stones ditarem o ritmo, e era nas tuas curvas que leria a pauta. Autêntica clave, mais forte do que o sol, com mais classe do que a lua. Se nas veias o sangue corre sempre em frente, na cabeça o pensamento diverge sobre todos os caminhos a tomar para chegar a ti. Somos o mapa de nós mesmos, já criámos até um caminho novo, que ninguém tinha previsto e que ninguém percorrera antes. Sem indicações, lá seguimos viagem, cientes de que 2+2 só são quatro se quisermos. Liberdade completa, foi também para isto que Abril nasceu. Existimos em todas as línguas, somos vistos em todos os gestos. Não é preciso explicar a ninguém, porque ninguém ia entender. E, no entanto, entendem-nos desde o princípio. Não fomos feitos um para o outro. Não somos o testo da panela, não encaixamos como Legos, nem temos penteados à Playmobil. Mas a forma como enco...

Afinal havia lontra, já dizia Mónica Sintra

Já lá vão mais de 20 anos deste que Mónica Sintra popularizou o tema ‘Afinal havia outra’, mas permitam-me que esta semana traga tão bela canção à memória. Isto a propósito da arrebatadora notícia vinda de Espanha sobre um alegado crocodilo à solta no rio Douro. Depois de alertas, últimas horas, páginas de jornais em papel e online, chegou-nos o tão temido desfecho: o entusiástico e perigoso crocodilo do Nilo que pôs a Península Ibérica em alerta pode, no cenário mais provável, não passar de uma lontra gorducha e fofinha . Senti-me de imediato como Mónica Sintra e partilhei o sofrimento de quem é enganado até ao último segundo, batendo depois de frente com a verdade, numa colisão frontal de onde ninguém pode sair em bom estado. Apeteceu-me cantar a plenos pulmões que ‘afinal havia lontra’ no Douro e não um crocodilo voraz à espera de um turista ou pescador apetitoso, ao bom velho estilo Jurassic Park. A caricata situação serve, pois, a meu ver, para relembrar três coisa...

Perdidos

A pergunta faz todo o sentido: como pode alguém estar perdido quando não tem para onde ir? Este texto é sobre os perdidos desta vida, aqueles que se só se encontram a si mesmos nas sombras, que vivem escondidos do sol que alguém lhes tapou. Porque a culpa de quem se perde nem sempre é sua. Aprendemos desde cedo que temos um caminho pela frente nesta vida. E que é dos desvios que nos devemos precisamente desviar. Mas há quem não siga a linha, há quem se deixe guiar pelos mais selvagens instintos e se perca na azáfama de uma sociedade que cada vez tem menos tempo para quem não se encontra. O ‘só faz falta quem cá está’ nunca foi tão palavra de ordem como agora e quem ficou pelo caminho será um dia pó que quem vem atrás vai pisar. Dois homens podem ter o mesmo mapa e irem parar a destinos diferentes. Um deles pode ter pouco dinheiro e conseguir guiar-se com mais ou menos dificuldade; o outro pode nadar em notas que não são elas que vão fazer uma ponte sobre o abismo. As bú...