Tenho para mim que os cientistas deste mundo andam a dormir.
É a única explicação sensata para o facto de nunca se terem debruçado sobre um
dos maiores mistérios deste planeta: as entrelinhas.
Quem me conhece já ouviu da minha adorável boca que eu nunca
falo nas entrelinhas e que, por isso, escusam de tentar encontrar outro
significado naquilo que digo. E se não o faço é apenas pela simples razão de
não entender este fenómeno. Afinal, o que cabe nas famosas entrelinhas?
A primeira coisa que me vem à cabeça são os tempos da escola
primária, em que havia uns cadernos de linhas muito próximas umas das outras, e
aí sim, o objetivo era escrever entre elas. Mas, até nesta perspetiva, as
entrelinhas deixavam a desejar. A letra desajeitada era demasiado grande para
se encaixar naqueles riscos paralelos e, na maioria das vezes, saltava fora,
fazendo saltar igualmente a tampa à minha professora.
Confesso, pois, que as entrelinhas me dão medo, porque
parecem ser um buraco sem fundo! Nas entrelinhas cabe tudo e de tudo, desde um
piscar de olho à miúda a quem nos dirigimos até à mais macabra planificação de
um atentado numa maratona. Quem fala nas entrelinhas é como se puxasse a
camisola para baixo e alargasse o decote. É um gato escondido com o rabo
propositadamente de fora. As entrelinhas são o buraco negro das palavras.
Atraem-nos mesmo sem sabermos porquê, não há nada a fazer, são uma droga
viciante e ao mesmo tempo o nosso dealer.
A verdade é que as entrelinhas nos puxam para si, fogosas,
ardentes, desesperadas por nos levarem para o quarto e brincarem connosco até
de manhã, palavra por palavra. E o pior de tudo é quando pensamos tratar-se de
uma coisa e, quando a luz se acende e o álcool abranda, é outra, completamente
diferente.
As entrelinhas são verdadeiras sereias, que nos cantam e
encantam, a nós marinheiros, que nelas navegamos, mas só nos trazem problemas.
Veja-se o príncipe da pequena sereia. Enamorou-se por um monstro, metade mulher
e metade carapau, com nome de detergente. Sabem qual foi o problema dele? Pois.
Meteu-se a ler nas entrelinhas.
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