Avançar para o conteúdo principal

Entrelinhas


Tenho para mim que os cientistas deste mundo andam a dormir. É a única explicação sensata para o facto de nunca se terem debruçado sobre um dos maiores mistérios deste planeta: as entrelinhas.

Quem me conhece já ouviu da minha adorável boca que eu nunca falo nas entrelinhas e que, por isso, escusam de tentar encontrar outro significado naquilo que digo. E se não o faço é apenas pela simples razão de não entender este fenómeno. Afinal, o que cabe nas famosas entrelinhas?

A primeira coisa que me vem à cabeça são os tempos da escola primária, em que havia uns cadernos de linhas muito próximas umas das outras, e aí sim, o objetivo era escrever entre elas. Mas, até nesta perspetiva, as entrelinhas deixavam a desejar. A letra desajeitada era demasiado grande para se encaixar naqueles riscos paralelos e, na maioria das vezes, saltava fora, fazendo saltar igualmente a tampa à minha professora.

Confesso, pois, que as entrelinhas me dão medo, porque parecem ser um buraco sem fundo! Nas entrelinhas cabe tudo e de tudo, desde um piscar de olho à miúda a quem nos dirigimos até à mais macabra planificação de um atentado numa maratona. Quem fala nas entrelinhas é como se puxasse a camisola para baixo e alargasse o decote. É um gato escondido com o rabo propositadamente de fora. As entrelinhas são o buraco negro das palavras. Atraem-nos mesmo sem sabermos porquê, não há nada a fazer, são uma droga viciante e ao mesmo tempo o nosso dealer.

A verdade é que as entrelinhas nos puxam para si, fogosas, ardentes, desesperadas por nos levarem para o quarto e brincarem connosco até de manhã, palavra por palavra. E o pior de tudo é quando pensamos tratar-se de uma coisa e, quando a luz se acende e o álcool abranda, é outra, completamente diferente.

As entrelinhas são verdadeiras sereias, que nos cantam e encantam, a nós marinheiros, que nelas navegamos, mas só nos trazem problemas. Veja-se o príncipe da pequena sereia. Enamorou-se por um monstro, metade mulher e metade carapau, com nome de detergente. Sabem qual foi o problema dele? Pois. Meteu-se a ler nas entrelinhas.

Comentários

Os mais vistos do momento

É dia de baba!

Baba & Camelo chega hoje vai passar tudo por aqui! Porquê Baba & Camelo? O nome do livro vem da sua configuração: está dividido em duas partes. A primeira (Baba) inclui soberbas obras de arte literárias, dignas de prémios internacionais, que deixarão o leitor precisamente de queixo caído, babando-se inevitavelmente. A segunda (Camelo) englobará pura verborreia, de qualidade a rasar a fossa, a chamada escrita de trazer por casa, que levará certamente o leitor a dedicar-me alguns dos mais tenebrosos insultos possíveis na Língua Portuguesa.  Além disto, este título vai permitir-me ainda atrair incautos curiosos, pensando eles tratar-se de uma coleção dos famosos cartoons de A Bola chamados ‘Barba e Cabelo’, bem como donas de casa enganadas por um suposto guia de receitas de doces conventuais com um nome muito semelhante. Baba & Camelo É para o menino e para a menina!

Ódio tal

Sou espectador assíduo dos canais de documentários. Tento perceber como funcionam as coisas, as vicissitudes de humanos e restantes animais que povoam este planeta. Dou por mim a fazer exercícios simples e esquemáticos para desmontar a teia complexa que constitui este mundo. Mas depois há sempre coisas que não se conseguem entender. Como ontem, em Paris. Fazendo o tal esquema até parece relativamente fácil: alguém não gostou de um cartoon e vingou-se. Uma espécie de resposta. Funciona sempre assim. Uma ação de um lado gera uma reação do outro. Uma das leis mais elementares da física é seguida à risca. Mas, na verdade, não posso nem quero acreditar que assim seja. Porque se o fizesse teria de entender que, 24 horas depois, já sei quem vai ter o próximo passo. Nada justifica o abate de uma pessoa. Quer esteja ela no chão, sem defesa possível, quer seja ela o maior criminoso à face da Terra. Este é o pensamento em que acredito e que gostaria – sonhava – ver expandido. Como nos ta

Vítor vs Álvaro

Vítor Gaspar e Álvaro Santos Pereira fazem-me lembrar um casal de namorados ao telefone, a ver qual dos dois desliga primeiro. E se o Ministro das Finanças está preocupado com o saldo do telemóvel, já o Ministro da Economia não se entende com ele, talvez devido ao sotaque luso-canadiano, estilo Nelly Furtado. Nos últimos dias tenho assistido com muita curiosidade ao desenrolar da batalha entre Gaspar e Santos Pereira. Não estivesse o país em crise e penso que o governo deveria distribuir pipocas e óculos 3D, porque este é um daqueles filmes que só não levou uma estatueta para casa por ser uma comédia romântica. Desliga tu! Não, não, tu primeiro! Então vá, vou contar até 3 e desligamos os dois. Um… dois… três! … Aaaaaaaaaahh, eu sabia! Embora neste caso seja mais: Corta tu! Não, não, eu já cortei o subsídio de Natal! Então vá, vou contar até 3 e cortamos os dois. One… two… Fala-me em português! Tens a mania que vens lá das Américas! Tu não fales mal d