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Nem bom vento


Caríssimos, escrevo esta missiva num clima de grave crise. Ou numa crise de grave clima. Pensado bem é mais assim, que esta tempestade lá fora vira tudo ao contrário! Fosse José Castelo Branco apanhado por este vento suão e, não tenho dúvidas, estaria ali um novo Quim Barreiros, expoente máximo da virilidade em Portugal!

Recordo com saudade os tempos em que vivia num “jardim à beira-mar plantado”, onde uns bons 35 graus eram capazes de assar uma sardinha no capot do Fiesta parado há nove anos no barracão da lenha. Tempos em que só havia duas estações do ano: verão e natal. E sucediam-se consecutivamente uma à outra, sem atropelos. O único casaco que tinha era estreado na noite de consoada e arrumado a meio de janeiro, tal era o calor que justificava, um mês depois, a reduzida indumentária das meninas do samba.

O que aconteceu? O barulho do festival de vento e chuva lá fora é inacreditável! E o pior é que não me posso queixar à polícia desta má vizinhança! Nem riscar-lhes o carro quando sair amanhã de manhã para ir ao pão! Sacanas! Vejam vossas excelências um exemplo da dolorosa situação que atravessamos: por descuido deixei a janela do sótão entreaberta! Apre, com mil diabos! Já uma pessoa não se pode distrair e fica logo com as águas furtadas ocupadas por Boings 747, plátanos, elefantes, camiões TIR e três guardas florestais. Tudo isto, apanhado no meio da ventania, me entrou pela pequena abertura num ápice! Tivesse eu a casa virada para norte e, com sorte, ainda somava uns bons bacalhaus para o almoço de amanhã.
Atrevi-me a espreitar para o exterior e pareceu-me ver tudo ao contrário! Juro que vi caixotes do lixo virados, carros a circularem pela esquerda, Armstrong a confessar dopar-se, Passos Coelho a falar verdade… enfim, aterrador!

Asseguro-lhes, amigos, que até já me imaginei lá fora a viver um drama semelhante ao filme “A Vida de Pi”. Pegava no gato vadio que aqui anda de sábado a quarta, metia-nos aos dois dentro de uma gamela e partíamos em busca do ancestral Portugal onde poderia criar os meus filhos à luz de uma sunset em Portimão.

Será que um dia voltarei a vestir uma manga curta? Fica a pergunta.

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